29.1.10

A Garota de Vênus - Parte 6

Foi mais um dia comum.
Através do furo no vidro do meu guichê, eu via dezenas, às vezes, centenas de pessoas, enfiarem seus documentos e boletos para que eu autenticasse.
Não é dos melhores trabalhos do mundo, mas pelo menos tenho assistência médica, vale refeição, vale transporte e um salário que dá pra pagar minhas contas e alugar uns filmes nos fins de semana.
Ah, e o banco tem um clube muito legal também.

Como eu tava dizendo: um dia comum.
Cinqüenta pessoas na fila e minha sinusite atacada pelo ar condicionado.
- Trinta e oito reais, senhora – disse sem olhar pra ela.
- Só isso, sua peste?
Silêncio.
Minha coluna ficou tão gelada quanto o palito de um picolé.
Não olhei.
Na hora pensei que pudesse estar louco.
Lembra quando eu disse que talvez estivesse esquizofrênico?!
- Sim, senhora – respondi secamente.
- Cacete, as coisas são tão baratas aqui na Terra. Em Vênus tudo é muito mais caro...
Olhei pro lado tentando buscar ajuda dos meus colegas de trabalho, mas todos sempre estão tão compenetrados em suas funções que é difícil até perguntar as horas.
- Será que eles vão ao banheiro? Eles almoçam? Como eles podem gostar tanto desse trabalho? – me perguntei, esquecendo por um segundo o que estava acontecendo.
Voltei meu olhar para o boleto de trinta e oito reais.
Fiquei em silêncio sem olhar pro vidro do guichê: olho no boleto, olho no monitor, olho no boleto, olho no monitor. Isso virou um mantra pra mim nesses poucos segundos.

De repente, a mão linda que um dia foi uma asa, invadiu a fresta abaixo do vidro e empurrou três notas de dez, uma de cinco e uma de dois reais até minha mão.

Um leve toque e pronto:

Minha coluna que havia se tornado um palito de picolé, começou a pegar fogo como aquelas cruzes onde queimavam as bruxas da Idade Média. Meus olhos começaram a arder tanto que achei que fosse chorar. O suor frio que descia da minha nuca em contato com a minha coluna em chamas proporcionava o maior show pirotécnico de todos os tempos. Meus sapatos pareciam que iam fugir, tamanho o tremor dos meus pés. Minha perna ficou tão mole que achei que só sairia daquela situação numa maca.
E tudo isso só porque ela encostou sua mão na minha.

Uma vez eu li que todo herói tem medo. A coragem é o enfrentamento do medo.
É claro que eu estava com medo.
Mas nunca fui um herói.

Mas algo em mim, que não sei explicar o que é, forçava meus olhos em direção ao vidro. Um força sobrenatural que nunca havia sentido antes.

Quando vi já foi.

Meus olhos pousaram naquela figura magnífica de dois metros de altura, com aquele cabelo de fogo que queimava minhas pupilas. A mesma imagem divina que eu tinha visto na beira da minha cama alguns meses atrás.

De repente, tudo escureceu.
E na escuridão só pensava uma coisa: "falta um real, senhora..."

Um comentário:

Anônimo disse...

Esperando ansiosa pela parte 7.
Sinto uma inveja boa dela.